sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Em algures, sei que estou junto a ti.

Estamos juntos, num tempo perdido ou numa outra dimensão. Numa constelação ou num velho sonho de menina. Vosmicê não vê, mas eu vejo muito! Nossos pés que dançam sintonizados, nossas mãos que se unem ansiosas… Nós. Estamos juntos numa canção sem voz, num baile de máscaras com rostos visíveis, num coração pedinte de abrigo e não mais de ilusões. Eu vejo – ô se vejo! – o silêncio que não impede dizeres preciosos, que logo olhos tomam notas com palavras que não se escreve e nem se fala, se sente; com verdades que alegra até o coração mais casmurro. Vejamos nossas caminhadas pelos subúrbios da metrópole, os olhos de admiração de toda essa gente que nunca viu casal mais formoso como nós. Alegremo-nos com um chá na casa dum amigo, declaramos nossas alegrias numa conversa, causamos invejas nos que pouco dessas alegrias conhece. Em seguida, numa loja de flores, vosmicê faz uma parada e me compra um buquê. Alegro-me com sorrisos que quase alcançam o céu, e logo penso onde hei de pôr minhas lindas flores em nossa casa feliz. Vivemos entre harmonia e a mais límpida compreensão. Sem tropeços ou borrões, sem passado que assombre ou futuro que preocupe.

Em algures, sei que estou junto a ti.
Que Deus queira que não seja somente em minha imaginação…

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A morte da poesia, de mim.

Cometi um crime, é que alguns dizem. Mas não há crime igual ao sofrimento que ela trazia-me. Amar sem razão, amar para escrever, amar para ser, amar por amar e sem saber amar, sofrer!… Cometi um crime, então assim eu digo com todo orgulho. Eu a matei. Creio que ela não sofreu, não sentia nada de dor e nem de amor, só fazia-me sentir, toda essa dor e esse amor que renegava. Eu a matei, e foi mais simples do que pensei ser. Deixei que ela morresse, me olhando com seus olhos de manhã de verão quando por dentro era o granizo de inverno que feria ao cair. Nem que Deus desse-me cem anos de vida, nos meus cem eu jamais iria esquecer aquela cena, jamais deixaria de sentir o praz de vencê-la tão facilmente. Arranquei-a de mim, decerto doeu, mas na dor eu sorri por desvencilhar-me de tamanha maldição. Nunca mais farei o que ela fazia-me fazer, nunca mais me submeterei à tamanha fraqueza em expor-me assim. Ao amor de poeta. O amor condenado à solidão que reina infeliz no reino das palavras chorosas. E juntos choramos, não ao crime que cometi a ela, ao crime que cometi a mim…

Matei a poesia da minh’alma. Agora, senhor, sou apenas um conto de horror.

Chuvas que saem do céu, do pranto, d'alma.

Face a face com vida, e dela ainda sei pouco. Vá, quem há de saber exatamente como é suportá-la assim? Se viver realmente fosse bom, por que haveríamos de morrer a cada dia então? Mas se viver fosse realmente ruim, por que haveríamos de morrer a cada dia então? Oh, e cá me vejo preso aos dilemas. E ainda molhado, pois chove em mim faz dias, inverna aqui faz tempo. E chove no verão, não escapa o outono, tampouco a pobre primavera cheia de mimos e nhé-nhé-nhém. Mas chega de falar de estações, por que todos falam de estações? Eu não gosto delas, não funcionam em mim da maneira certa como funcionam no mundo. O problema está nelas ou o problema está em mim? Vou dar de ombros. Estou chovendo mesmo, e não há verão e o seu sol que me façam secar, não há primeira e suas flores que enflorem este oceano obscuro. Há água por todos os lados, estou inundando tudo, morrerei afogado nos próprios prantos chuvosos. Onde está meu barquinho para que eu veleje? Onde está… Oras, mas não me olhe assim com seus olhos de juiz que condena-me, não me olhe! Chovo sim, quem não chove?…

… Até para ser arco-íris precisa chover.

Inácio morreu. Pedro sumiu. Henrique nunca veio.

Inácio está morto. Eu o matei. Que agora toque a Marcha Fúnebre, que Chopin soe pelos meus ouvidos e pelos ouvidos de quem agora me ler. Inácio está morto, vou chorar… Mas por que hei de chorar se fui eu quem o matei? Oh! Se arrependimento levasse a morte… Estaria eu agora a valsear com meu querido Inácio. Nós dois, mortos e juntos, eternizados numa dança sem passos e compassos, contentes e sozinhos, mortos! Inácio morreu, e eu, sua assassina, ainda permaneço viva – o que me parece injusto. Vejo Inácio passar de lá para cá com seu chapéu-coco e um cigarro nos lábios, cantando blues e atraindo olhares femininos, mas não posso lhe dizer olá e depois um adeus, não posso mais me importar e o importunar. Inácio foi morto, eu o matei, ele agora pertence ao mundo e não mais a mim.

Oh! Pedro desapareceu. Já pensei em por anúncios por aí, citar em jornais, falar em rádios e na tevê, dizer a todos e ao mundo. Meu Pedro sumiu, não tenho mais nenhum. Com quem hei de gritar? Em quem hei de descontar toda minha raiva e frustações? Quem há de me mandar calar a boca e tentar fazê-lo com um beijo? Quem me bagunçará os cabelos quando eu acabar de fazê-los? Quem sujará todos os pratos só para ver-me lavar outra vez? Que tragam logo este ingrato de volta, que o devolvam logo para mim. Preciso gritar com alguém!

Canso-me numa espera gozada. Gargalha bem alto que é para todos ouvirem e juntos formarem uma canção de risos. É a presença que não chega, a ausência que judia. Onde está Henrique? Por que nunca veio? O que há com essa estrada que se estende e o atrasa? Quero meu Henrique aqui. Não sei como é tê-lo, por isso cansa-me ter que imaginar e já não sou tão criativa assim para trazê-lo aqui dessa maneira utópica. Quero Henrique de carne e osso, com erros e acertos, até com cheiros e odores. Simplesmente o quero. Sim, Senhor.

Então, de repente, Inácio ressuscita, Pedro reaparece, Henrique chega.
Os três homens embravecidos se reúnem em minha sala… Que é que eu vou fazer?

domingo, 18 de dezembro de 2011

Relatos d’um pequeno encontro, adormecida.

Hoje eu amei, sei que amei, sinto que amei. Fora num sonho, belíssimo, inacreditável. Amei em um abraço dado e ganhado, amei um alguém que criei, mas que jamais soube da sua existência nessa vida real. Hoje fui amada, sei que fui, sinto que fui. Neste mesmo sonho que amei, foi recíproco o que senti, da maneira mais linda e intensa, amei e fui amada. Acordei sorrindo, mas quis voltar ao sonho. E lá estava ele, a minha espera. Sorria feliz, preocupando-se comigo, abraçando-me de um jeito que, por Deus, por que não podia ser real? Vi-me embrenhada em seu sentimento puro, que ao acordar não pude crê que fora tudo imaginado. Eu não sei quem ele é, nem aonde vive, tampouco onde agora está. Não sei nada sobre ele, e decerto nada ele sabe sobre mim. Não nos conhecemos, nunca fomos apresentados, quiçá nunca iremos ser, mas hoje eu o amei… Hoje nos amamos…

Mas ao acordar tive a certeza de que agora sou solidão.

(Um conto) Os amores de Noel.

Noel tem amores estranhos. Sim, meu amigo, ele tem sim. Tem dias que Noel ama os livros, e gasta o tempo a lê-los, a cheirá-los, a olhar cada extensão e observar detalhes que poucos percebem. Por exemplo, um pontinho no canto da folha deixado pela impressão. E ele se ver a sorrir, admirando o pontinho solitário e que nada lhe diz. Há dias também que Noel ama os peixes, e vai à lojinha ao lado só para observá-los. Acha engraçado o modo como eles soltam beijinhos de segundo em segundo, como mexem suas nadadeiras pequeninas, como olham para tudo com seus olhos dóceis… São bastante amorosos os peixes, apesar de viverem em monotonia em meio a tanta água e outros peixinhos de várias cores.

Noel ama meio mundo de coisas, o que pode se vê e o que não pode; o que ele tem e o que ele quer; até o que não existe e ele imagina. Noel dar amor com um olhar ligeiro, com um toque cauteloso, com um sorriso gordo nos seus lábios tortos. Noel ama lugares que ele nem conhece, palavras que ele nem sabe pronunciar, histórias que ele nunca leu e nem ouviu falar. Noel ama o barulho e o silêncio, o bonito e o feio, o grande e o pequeno. Ama as diferenças, as confusões, até as tristezas e com certeza as alegrias… As sem razões então, ele é completamente apaixonado!… Noel também ama as “borboletices” humanas, os cantos dos girassóis, as reflexões dos pássaros no despontar da aurora. Ama as estranhezas, as minúcias, as coisas que ninguém mais consegue amar. O velho, o novo, o louco, o bobo. Tudo!

Noel ama tudo, pois um dia nada o amou.

Que meu pijama seja a tua pele...

... Nessas noites gélidas que sopra a solidão. Nessa necessidade de algo que não se sabe o que é ou nessas hesitações d’alma por aquilo que tanto almeja. Que meu sol seja as tuas mãos que deslizam pelo meu rosto como um retalho de seda ao vento, que sejam os teus beijos impostos no silêncio, que sejam as tuas palavras ditas com o coração amando. Que seja tu, o que há de me amanhecer inefavelmente quando meus olhos se recusarem a abrir, quando a noite escura vier mais cedo da hora que deveria vim, quando não houver mais chamas que reviva a esperança que morre primeiro no abisso dos sofreres.

Que seja tu, o que há de vim, de qualquer forma, em qualquer instante.
E fui partida em mil e um pedaços
Não se assustes ao ver-me assim
Em tantos pedaços por aí…

Estou tentando achá-los
E juntá-los
E voltar a ser o que fui

Mas se eu demorar a ser uma só outra vez
Se eu mesmo nem conseguir
Aumente o espaço que o teu coração tem

Pois terá que amar meus mil e um pedaços…
… Feitos por ti!

Amor, amar, morte.

Um perfume sem dono que vaga num ambiente solitário. Um futuro de incertezas obscuras a cada segundo. E a densa neblina que lhe rouba a consciência se dissipa num doloroso batimento do seu coração, que sangra até a morte. Assim era ele sem ela.

Ontem eu morri; de amor desalmado. E meu corpo pediu que fosse avisado que há vagas para novas almas… Mas que sejam fortes e indolentes para suportarem o que verdadeiramente é a vida, quando se ama em nímio assim. E não adianta fugir a procura de escapes, pois o amor vai está em qualquer esquina que cruzares, ou em qualquer beco e ruela que tentares esconder-se entre sua penumbra… Ontem eu morri; brutalmente assassinado. Ainda não sei se foi pelo amor ou se foi por Ela. Mas que diferença há se a pouco descobri que eram cumplices faz tempo? Estavam juntos desde o início, cravando-me coisas pelas costas enquanto defronte me sorriam flores e davam-me poesias em beijos, todas púnicas a verdade.

Fui tonto, tão bobo e tão cego, achando que amor era belo e a sua beleza iria se eternizar. E no meio a tormenta estou eu a vagar sem direções e consciência, ébrio de tristeza e absorto na imagem da minha deusa cruel, que ri de meus passos sôfregos pelo fim. Desejo, de alguma maneira, sanar minhas dolências que gritam diante do silêncio desse breu que me cobre. Por que não possa ter uma morte quieta?… Por que essa alma não pode descansar em paz? Não sei, ó Deus, eu não sei que amor é esse que atravessa a morte, nem que mulher é essa que me faz enlouquecer quando nem mais consciência eu tenho. Não, decerto sei, mas não sei o que acontece, por que é tão forte, por que não tem fim. E quem sou eu, se mesmo morto, e mesmo traído, e mesmo estraçalhado em mil pedaços tolos, ainda persisto em amar?

Sou homem, e não cravo, mas sou como uma flor. Das que sofrem nas mãos desalmadas de quem não se importa com a dor alheia, tampouco com aquele e aquilo que parece não ter vida e sentimentos, mas tem! E deles também sofrem…

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Inês e a neve.

Há quem quer muito e muito já tem. A quem nada quer, e tudo tem. E há aqueles que pouco desejam, que pouco desmerecem, que muito deviam ter, e nada tem! Conto agora uma pequena história, a história de Inês. E a neve.

Fez-se a neve no céu, neve que quedava com brisa suave e pintava as ruas de branco, um lindo branco cheio de paz e dizeres silenciosos. Oh, era delicioso! Não tinha gosto, mas tinha um valor indiscutível. Inês tentava fazer a conta enquanto observava da janela de sua casa a neve cair, perdeu-se na conta e desistiu, apenas sorriu um sorriso de que tudo estava bem. Imaginou. Imaginou uma linda cena feliz, onde ela era livre e amiga da neve, as duas estavam juntas, juntíssimas. Ambas corriam pelo branco com sorrisos e olhos fechados, com braços abertos e coração saltitante. Inês voltou a abrir os olhos e tudo se tornou quente outra vez, a neve permanecia belíssima do lado de fora e elas jamais haviam se falado. Nenhuma palavra, nenhum toque. Inês apenas a olhava, mas a neve nem sabia que ela existia. A neve aparentava está contente com as outras crianças, crianças amigas que pareciam mais contentes ainda por está com ela. Inês já havia entendido que não podia ir, tudo bem, tudo bem, um dia, quem sabe, pode ser. Ela esperava que o destino viesse apresenta-las, espertava que finalmente pudesse contar a neve toda a admiração e apreço que por ela tinha, desde que a viu a primeira vez. Caindo, branquíssima, lenta e silenciosa.

Fora numa noite de Natal. Ela não viu, mas um velho de vermelho com cabelos e barbas brancas que se chamava Noel, havia vindo numa visita secreta na madrugada e lhe deixado o melhor presente que poderia ganhar, dizendo a sua mãe. Inês achou que deveria ficar feliz, mas durante certo tempo não conseguia entender o porquê, não via graça na peça, não sabia para quê lhe seria tão útil assim. Só depois de algum tempo descobriu, e não tardou a fazer novas descobertas… Primeiro o quanto sua mãe estava certa, segundo, a existência da neve que até aquele momento nunca nem fora imaginada. Não era chuva, mas caia do céu. Não tinha cor, mas era belíssima, belíssima! E então ela se apaixonou. Não devia, não sabia explicar, nem controlar, nem deixar de olhá-la um único dia, quando a neve aparecia, é claro. A comtemplava todo o tempo, sonhava e ansiava, espera na sua velha espera de um dia poder dar-lhes as palavras que guardava dentro do peito.

Inês era paciente, até a própria admirava-se pelo fato. Havia esperado semanas-meses-dias-e-horas que pareciam que jamais iriam se acabar. Então dias atrás o outono se foi e mãe abriu as cortinas dizendo não muito contente que o inverno havia chegado. Inês foi até a janela conferir, e finalmente o viu. O inverno e a neve. O inverno era a neve. Não se contentou de alegria e sorriu tanto que a boca lhe doeu à noite, mas ela não parava de sorrir. Os dias foram se passando, a neve ficando do lado de fora, Inês do lado de dentro. Era pouca a distância para olhos alheios, mas Inês a sentia como a imensidão dos céus. Longíssima, inalcançável. Certa noite chorou, depois riu de si mesma. Vivia sorrindo e chorando por causa da neve, e a neve jamais havia lhe sorrido ou derramado uma lágrima por ela. Que culpa tinha? Nenhuma. Acontece que elas ainda não haviam sido apresentadas. E se Inês pensasse, mas pensasse muito, talvez o fato não fosse tão ruim. A neve podia não gostar de Inês, e a menina mal conseguia suportar a ideia. De longe se via que ela não era como as outras crianças, não fazia o que faziam as outras crianças, e a neve talvez viesse a desgostar da sua diferença. Inês fazia silêncio, ficava quietinha, mas a mente trabalhava nos seus questionamentos silenciosos, afligindo o coração da pobre Inês. Parecia tão injusto para ela, vezenquando, que em Inês vinha uma vontade de gritar todos os gritos do mundo, gritar tanto que a neve pudesse ouvir e viesse busca-la. Mas Inês nada fazia. Inês era silêncio.

A mãe da menina a chamou. Relutante, ela fechou a cortina e a neve se foi da sua visão. Inês foi até a mãe, arrastando o seu presente do Natal passado, a cadeira de rodas.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Notas sobre o que sinto e sinto muito. Doença sem cura. Sem freios. Sem refúgios. Sem amor a mim mesmo, que ando perdida, perdida, pedinte… De amor igual.

Convém dizer que sinto muito. Deveras. Os piores sentimentos que cabem em meu peito, até mesmo os maiores e os mais inquietos. Sofro de abundância de quereres, esses que arranham a alma violentamente, ferem e corrói o que outrora era inteiro e intacto. E se não são quereres loucos, decerto são quereres que levam a loucura… Caminho que se vai sem volta, caminho que percorro todos os dias. Sinto muito, lamento por mim e por tudo, sinto muito. Só não te sinto aqui, é estranho. Todavia, meu querer por ti é tanto que não tarda e venho a enlouquecer, depois me perco em meio à loucura e perco o rumo também, sem saber aonde devo ir, sem saber se devo ir, afinal. Mas para onde eu vou, me diz? Onde é que você fica, me fala? Peço-te que me ensine o caminho do teu esconderijo maldito, mas você ri estranho e vira-me o rosto, já não posso ver a tua face… É cruel os teus métodos, anda atrasado o teu amor. Enquanto o meu te rodeia e te afaga, louco e bobo, o teu não aparece e nem me diz se existe ou não. O que eu faço? O que eu devo fazer? Continuar na espera fere-me mais, estou cansando e isso dói. A espera por ti é funda, mas é finda, mon monsieur? Eu questiono-me, questiono-me temendo resposta, mas anseio tê-la e anseio tê-lo. Não vê? Ó, você vê, vê sim! E por isso rir assim, com essa gargalhada inexplicável e misteriosa que eu tento decifrar e sufoco-me entre às interrogações acerbas. Nem isso tu dar-me, como és cruel!

E por que insisto afinal? Por quê? Não sei quem mais se esconde entre você e essas respostas que eu não tenho e tento ter. Vai ver os dois andam juntos por aí, a rir de mim com essa paixão desenfreada e desesperada que grita para Deus e o mundo ouvir que não se importa, fica e permanecerá ficando, coitada. Vai, a deixa sofrer um pouco mais, ela merece. Mas venha, não a faça sofrer muito, ela já sofre por demais. Tenha piedade, tenha compaixão, com paixão venha. Pois amo-te!… Ainda que seja loucura das grandes!

Moça dos cabelos vermelhos e dos olhos calados.

Não fora justo, cabelos vermelhos… Não fora nada justo o que você fez, eu lhe digo. Olhou-me rápido e se foi mais rápido, mas no pequeno olhar me destroçou em mil e um pedaços pelo nada dizer. Dizia-me algo, o que lhe custava? Para quê aquele olhar vazio e opaco? Que não olhasse então, que não olhasse. Que se fosse sem me ver e deixar-me ver esse teu silêncio que violenta com socos e chutes minh’alma teimosa, ambicionando-te sem freios e consciência, sem amor próprio até. Que não me olhasse, cabelos vermelhos, que passasse como um tufão que leva tudo às cegas, como um maluco, como um desgovernado. Ou que dissesse algo, algo pequeno, algo com uma palavra só, simplesmente algo. Algo que me enraivasse ou me deixasse contentíssimo, que me fizesse sentir tudo e nada ao mesmo tempo, mas que dissesse… Dissesse alguma coisa que acalmasse meu velho coração que espera pela a tua atenção, que ela não vem e não me quer. Ó cabelos vermelhos, passara por mim tão esvoaçante e silencioso que pude apenas escutar o meu coração palpitar frenético no sofrer dos teus efeitos devastadores e cruéis. Que tivesse piedade, lindos fios banhados de vermelhidão, que pudesse ver no teu olhar mudo o quanto o meu olhar solitário grita para esse silêncio acabar. Que pudesse ser capaz de sentir o que sinto, nem que fosse por um segundo, mas que sentisse como é se sentir fora de si, desabrigado e desgovernado, a procura de um refúgio feliz… E nada encontrar. Encontrar apenas olhos que te fitam e não dizem absolutamente nada. Nada. Nada. Nada. E não por timidez, talvez nem por maldade, e sim por… Por que, afinal? Por que não tem o que dizer quando eu tenho mil palavras a dar-te? E olha que eu nem sou falante, pouco me meto com letras, mas tenho tantos dizeres que me torno rico em palavras. Porém, se muito eu me permitir pensar, para quê as quero se não tenho a quem dá-las? Você passa e me olha assim, se nada diz nada então quer ouvir. Fico mudo, os lábios calados, mas os olhos gritantes… Olhos que distantes ficam dos teus, com teus passos urgentes e despreocupados, afastando-me de mim que me preocupo tanto. Tudo bem, tudo bem, algum dia hei de calar esses olhos asneiros, hei de fazê-los engolir cada palavra que agora eu digo e você finge que não ouve. Se for o silêncio que tu queres, não se preocupe, um dia hei de alimentá-la com esse nada, e a falta do tudo tu sentirás.

Por enquanto, saiba apenas que não fora nada justo moça dos cabelos vermelhos e dos olhos calados. Não foi não.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Tristeza de nós, do tudo, de mim.

Tristeza onde moro, morando: desmorono. Tristeza que me cria, criada: descreio na alegria. Mas por que hei de chorar se posso sorrir também?…

Tristeza é o poeta morto, o lirismo ao deus dará, as rimas pobres de quem não sabe rimar. Tristeza é fechar os olhos para fugir, é ver pés assassinos de flores inocentes, é a falta de um beijo nos lábios secos. Tristeza é a mentira que agrada, é a verdade que tempesteia, é o olhar que mente mais que palavras. Tristeza é a cidade que cresce e esconde a Lua, são as janelas que se fecham para o Sol não entrar, são as palavras que machucam e não se arrependem. E tristeza também é aquilo que se planta e não colhe; que se tem e se quer sem precisar ter e querer. Sobrevivo a esse mundo que procria e cria as mais diversas tristezas… Tristezas que se esqueceram das alegrias, tristezas que são apenas tristezas. Vagueiam de lá para cá, não perguntam aonde devem ir, vão aonde querem. Recusam os intervalos para um sorriso oferecido, nem isso sabem o que é! Caminham, aos pulos, aos tropeços. Não querem ajuda, nem olhares piedosos, desses elas riem a risada triste de um palhaço melancólico. Tristezas sombrias que lentamente se aproximam das almas dispersas, tristezas assassinas, não suicidas, pois só não matam o que deve morrer. Tristezas fiéis, mas traíras, que desgraçam e que sufocam. Que remetem o que não se vai, que vai e lá não fica. Tristeza essa dos ricos de pobrezas, das almas pedintes, das suplicas aos ouvintes… Que nada ouvem.

Um dia hei de ser a fonte que curará toda essa doença que é a tristeza de nós, do tudo, de mim. Hei de dar adeus às enfermidades que me cercam, pois saberei escapar mesmo sem escapes. Sozinha, como inteiramente fui desde que brotaram-me, irei lembrar-me de como é por nos lábios um sorriso que enfeite, e não mais deixá-los comprimidos nessa linha reta e pálida que nada diz e nem se atreve. Hão de ouvir minhas orações, meus sussurros que querem se tornar gritos, enquanto as minhas conquistas ainda nem conquistaram a voz… Por ora, sou apenas mais uma lágrima tristonha que o mundo deixa escapar e ninguém vê.

O não saber viver.

A morada de um solitário é dentro do próprio coração. Sombrio e escuro, vazio e moribundo, um riso nos lábios intactos e inúteis. Calejados de viveres que pesam, pesam o vazio. O triste vazio da maldição que é ser só. Oremos então pela vida que foi morta. Foi um homicídio com gosto mesclado de suicídio e razão.

Abandonaram-me sobre o peso morto dessa vivência fatalista. Estou à mercê do tudo – o tudo que me faz mal, o tudo que não me faz nada. É vago, mal preenchido e mal amado. Já é tarde, mas em mim ainda soa cedo essa música esperançosa que toca e ninguém consegue ouvir. Procuro um ninho para morar, fui despejada da minha antiga casa e tudo por que não me adequei. Não sei viver de resquícios, os de amores passados são os piores, os de amores passados que se impregnam em paredes e lençóis e sorriem um sorriso soturno e infernal. Não sei viver as sombras, escondendo-me e temendo aquilo que é sólido e que machuca, depois grita alto ao pé do ouvido de quem já é acostumado com o silêncio. Eu não sei viver de lembranças, lembro muito e de tudo, lembro com frequências e ausências de intervalos, depois choro por lembrar o tanto de coisas que me lembro. Eu, decididamente, não sei viver. Não sei os melhores métodos, nem os maiores macetes, não sei absolutamente e absurdamente nada sobre viver. Sou humana, eu deveria saber, mas eu não sei, não sei viver. Sou como o poeta que não sabe poetar, que não entende de rimas, que não ouve o que a sua alma grita para que ele ponha no papel, e ainda assim ele faz poesias… Não sou um pássaro e procuro um ninho. Quero ter onde morar, com quem morar e dividir a solidão que mata… mas que mate dois ao invés de um!… Que morra em companhia, de mãos dadas, de pés tocando-se na cama fria de uma madrugada azul. Que a madrugada seja lenta para os que jazem como cumplices, que sejam eternas em suas passagens efêmeras. Que a solidão só observe de longe esperando uma oportunidade certa, mas que não tenha oportunidade certa. Que seja sempre a hora errada, pois é sempre errado, é sempre errado viver achando que é só a felicidade que faz feliz… Quero uma porção de razões para tentar o que não se tenta, e o mais impossível: conseguir o que não se consegue.

Não sei viver de resquícios, nas sombras, das lembranças, não sei viver… Mas vivo!