domingo, 27 de novembro de 2011

Notas sobre o meu inventário.

Inventei o amor. Não o amor que rege o mundo, mas o amor que há em mim como um salvatério. Ele tem formas engraçadas, faz-me rir nas madrugadas, alegra as lágrimas que vivem nos meus olhos crus. Inventei um amor pela falta de um, inventei no desespero humano em sobreviver ao mundo que amava tudo, menos a mim!… Meu amor amanhece com a primavera em pleno verão, meu amor é a luz que respiro, é a música que penetra n’alma, é o pássaro que ama a liberdade e a liberdade o ama. Meu amor contenta-se em ter-me em todos os momentos, e contente eu fico por ser querida assim… Somos a eletrodinâmica da física. Eu a carga negativa, ele a carga positiva, e assim as nossas diferenças nos atrai. Meu amor vem de um sonho antigo, mas que jamais pude esquecer pelo sentir do calor humano que me disse contra pele um eu te amo bem levinho…

… Silêncio!…
Um breve silêncio para um olhar de Medusa, que me petrifica por inteira.

… Silêncio!…
Silêncio para observar como renasço quando teus lábios milagrosos tocam o meu.

Nossos encontros são de sol e lua, eclipse majestoso e raro. Palavras como essas que agora pego emprestada para explicar-lhe, não é necessário entre nós. É adorno barato em comparação ao que um único olhar torna-se capaz de fazer. Meu amor foi meu maior inventário, que jamais abandonei e que jamais me abandonou. Amor imaginário que tornou-me real, amor enraizado que deu-me frutos e flores. E aquilo que o tempo ama, querido, eterniza-se nele. Irei amá-lo então como o tempo…

sábado, 26 de novembro de 2011

Salvatério.

Que não seja essência perdida
Que não seja desgraça que se acomode
Que não seja tragédia, fracasso, ruína
Que seja o que perdure
E se morre: que saiba suscitar das cinzas
Como Fênix, como ficção, como milagre
Que seja o alvorecer da insônia sombria
A luz que abriga o abismo dos mortos [em vida]
O querer que tem
E pouco quer, já que tem tudo o que quis…
… O amor que é amado!

Refém de nós, livre de fins!...

Aos olhos míopes dos homens, eu vejo o que pouquíssimos conseguem ver. Vejo o amor. Vendo o amor, vejo-te nascer… Em mim.

Se tu, ó amor meu, esconder-se entre pinhais e gramados altos, ainda assim poderei te ver. Minha memória te desenhara em minha mente, tão vivo e formoso que quase consigo te tocar e te ter. Tu tens olhos dissimulados, e decerto é o que fazes. Tu tens olhos mortos, mas que me dão vida quando não mais espero. Teus lábios são riscos no teu rosto anguloso, lábios ladeados por um pequeno sinal que vivo a encarar, no teu eu da minha memória. Vive em ti o mais belo rio, quedando pelos teus membros e tronco, e assim fazendo que eu me torne uma bela cachoeira apenas para adentrar-te, flutuar e afundar nas tuas águas azuis e diáfanas. O cheiro que de ti emana é a das mais grandiosas amenidades, os cálidos frescores que me acompanham, despertando-me no amanhecer, adormecendo-me no anoitecer. Tu és a estrela cadente que vi passar numa noite ébria, fiz um pedido e tu caíras em meus braços, entregando-se para cuidar e ser cuidado.

Tu és tudo o que lhe cabe beleza e lirismo, tu és a poesia escrita para libertar o poeta, mas que o faz de refém em suas palavras… E o agrada. E me agrada. Então recite-me dia e noite, noite e dia. Ponha-me segura numa folha guardada em teu bolso, e se fores poema grande demais, guarde no peito então.

Apresento-lhe aqui o que teça minha alma sofrida, mas que feliz fica quando te vê, mesmo não te vendo, não te tendo, só querendo. Ó amor meu, tenha piedade das minhas ânsias que meus lábios trêmulos soluçam num cântico triste. Abra teus ouvidos para escutar o que clamo, pois clamo por ti. E regue nosso amor que ainda é muda, e faço-o crescer como as árvores mais velhas desses bosques que tu se escondes: intactas e invencíveis.

E que o nosso amor seja assim, refém de nós, livre de fins!
I

Desmancho-me nas tuas correntezas
Renasço nos teus olhares
Tu, a águia faminta,
A caça de uma preza dispersa
Como eu!…

II

Adormeço em teu corpo trêmulo
Desperto em ruínas tuas e minhas
Misturadas numa bagunça
Para que não haja fuga nenhuma
De que temos!…

III

Perco-me dos teus caminhos campestres
No teu beijo casmurro
No teu ser que floresce-me
Assim encontro-me nua
Das dolências e das minúcias!…

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Oremos!

A oração dos amantes…

Benditas sejam essas palavras bem ditas. As que eu ouço… as que eu vejo… as que eu simplesmente crio. Palavrórios que sobrepõe o que ando sentindo e não sei mostrar com gestos, tampouco sei dar formas com triângulos ou retângulos, círculos ou quadrados. Benditas sejam as luzes que adentram onde não há sol, e ilumina o que anda necessitando de clarão. Benditos sejam os poemas feitos do súbito de uma ideia, numa hora inusitada que nos faz correr para prender o verso num papel antes que ele se vá. Benditos sejam os amores que veem e que vão, esses que nos fazem perder noites e ganhar dias com um olhar ou uma palavra dada e recebida. Benditos sejam aquilo que me rege, me segue, me deixa leve… Faz-me acreditar no amanhecer do outro dia. Benditos sejam os outonos e suas folhas suicidas, que quedam e folheiam todo o meu jardim outrora deserto. Benditos sejam os toques aveludados da tua voz em meu rosto, dizendo-me amores e curando-me as dores. Benditos sejam os poucos que muito me faz a seiva de bênçãos que levo nos bolsos, para dar vida às horas mortas, para reger uma leve música que quebre os silêncios doridos. E tudo o que me é abençoado, eu abençoo-os dando a ti. Para que tu sejas grato a essas graças eternas, e me gratifique com o teu amor bendito. Amém!

Perdas e encontros.

Ao atrever-se numa aventura pela vida, ninguém nunca sabe quantas desventuras irão encontrar pelo caminho. Eles desconhecem as estradas, não imaginam os perigos, e pouco sabem que a busca por novos sabores e descobertas, possa terminar numa procura por si mesmo… Sem resultados.

Paro. Não sei qual próximo gesto terei de fazer, não sei qual pensamento terei de pensar. Quero fazer tudo ao mesmo tempo. Chorar mil lágrimas e pensar em mil coisas… Mas não faço nenhuma. Rasgaram-me os sentimentos, tentei montá-los, foi em vão. A esperança desmaiara com o abalo sísmico que sofrera, minha estrutura toda foi quebrada e raquítica minha alma ficou. Devo lamentar hoje, mas lamentarei amanhã. Amanhã chega e tenho que lamentar, mas prefiro deixar para o dia seguinte. Assim vou acumulando meus lamentos, e sofrendo menos, e poupando lágrimas. A água já está quase escassa no mundo, então por que hei de desperdiçá-las? Faça assim, é esse o remédio. O gosto não é muito bom, mas isso não é remédio para criança meu bem, é remédio para as dores da vida. Daquilo que é amargo, doce não cura, a cura tem de ser mais amarga ainda para sobrepor.

Pre…gui…ço…sa…men…te… vou derramando uma lágrima por dia, mas é dia sim e dia não. Não tenho pressa de sofrer, a pressa que tenho é de tentar ser feliz. Mas o que é felicidade? De que tamanho ela é? Talvez seja grande demais, e minha alma pequena não consiga carregar. Vou tentar. Onde parei ainda pouco, agora prossigo viçosamente. Meus passos cambaleiam, esqueci como é que anda, mas muito em breve hei de relembrar. O tempo vai passando, eu vou passando, as lágrimas vão passando, tudo se passa. Vejo minha alma crescer, em lentidão, mas cresce. Vejo a esperança abrir os olhos ligeirinhos para espiar o que acontece. Está acordada, mas teme abrir os olhos por definitivo. Quer-me ela segura em meus caminhos – esses onde me perdi na procura de algo que não precisava. Quer-me no controle do que sinto – esses sentimentos que foram rasgados, mas que ainda insisto em colar pedacinho por pedacinho. Assim reciclo-me, ressuscito do meu suicídio às cegas, é um milagre! E nas minhas passadas e nas minhas crescidas, chega o amanhã que evito. O enfrento, já estou maior, já estou mais forte, e venço!

Quem foi que disse que é procura sem resultados? Ora bolas, ora bolas!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A Dança Dos Poemas Mortos

Observe nossa dança de poemas mortos…
... Rezemos por eles!

São eles os poemas que um dia disseram e deram amor e hoje nos dão a distância. Os passos são rápidos, a música toca ao fundo com suas notas agudas. Ás vezes lenta, ás vezes rompante. Em crescente e decrescente, leve e bruta. Até desafina… Como os passos dos nossos versos! Os meus caminham para a direita, e lá estão os teus, indo para a esquerda. Tento te encontrar, mas novamente há desencontros entre nós. Teus versos tudo rimam, os meus versos são livres. Nossa dança é triste como um velório, decerto é. Jazem aqui nossos poemas; de tantos os versos se desencontrarem não houve estrofes, não houve palavras que preenchessem as linhas mudas do papel. Nossa poesia morreu, eu lamento, e essa dança é tão morta quanto eles. Mas não se afite, meu bem, não creia que nossos pés desfaleceram também. Ainda há outras músicas por aí para que possamos dançar; infinitas músicas, passos belos, muito belos, mas não serão dos meus com os seus… Talvez eu prefira tango, você prefira soul, e que assim seja. Meus pés não foram feitos para os teus, não existe sincronia em nossos ritmos, e tua alma desatina os meus desejos em ter o que me complete, e não o que me submete a descrer de um futuro feliz. Que tu faças teu show em outros palcos, que a dança dos teus poemas esteja longe da minha vista, que a música que o rege não possa ser escutada pelos meus ouvidos. Vai-te embora! Vai-te para longe de mim. Vai-te além do que posso ver e alcançar, pois caso os teus pés e tuas mãos ainda permanecerem aqui, a loucura me tomara e essa dançar eu tentarei ressuscitar, pois ainda vive em mim o desejo de que ela viva meu rapaz.

Então observe nossa dança de poemas mortos...
... E que os mortos descansem em paz!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Suicido-te!

As margens do abismo, eu vejo meus olhos crus refletidos nos seus. Peço-te a piedade minada de um único sopro para que meu corpo se renda e a queda se entregue. Eis aqui a minha súplica, meu malquerer, meu ex-amado. Eis aqui o pedido mais estranho que alguém poderá te fazer. Quero a distância das tuas mãos das minhas, quero entre nós todo o tamanho que é desse chão em que piso até o céu em que olho. Deixe que eu vá, deixe-me ir. Escute, ouça! Há esta voz que me chama sussurrante em meio à sombra fria, mas que não esconde em seu tom o desejo que tens por mim, e que não escondo o mesmo desejo que a tenho. És a morte numa visita? Por que hei de me importar com medos vãos? Quero ir, deixe-me ir. Não vagarei mais por estas terras que não me encaixo, não judiarei mais de pés que não sabem andar. Olhe a vida que tenho: uma grande inutilidade presa as minhas costas. Mas sou que a carrego ou é ela que me carrega?… Que pouco importe também, pois só quero o fim! Vós pensa que fecharei meus olhos para nunca mais abri-los, mas te digo que será o oposto. Não condene minhas formas, não negues que é preciso. Assim como pouco vejo, tu pouco entendes o que se passa em mim. Nem mesmo duvido que até se recuses á saber, sou apenas um adorno na tua velha estante. Sou apenas o que anda soterrada a tua poeira bruta.

Quero beber a liberdade como um apreciador que bebe o mais saboroso dos vinhos. Quero o próximo passo à beira do precipício, onde o vago meus pés tocarão e depois mais nada sentirei. Deixe-me deixar-te, deixe-me escorrer pelos dedos como a água que caí pelo corpo levando a sujeira de tudo. Deixe que minha alma entenda o quanto o amor [o teu, somente o teu] é distante, e que respeite as estradas, as paredes, o corpo onde não habita um coração para acolhê-lo na chegada. Não posso crê que terei uma morada quando tu mesmo vagas por aí, despejando as almas de suas casas, desmoronando suas vidas. E como uma vítima infame dos teus sestros algozes, exijo a liberdade de ti, a salvação que se dá a essas almas desabrigadas e aflitas: o anseio e o ensejo de um encontro com o fim.

… E há de ser bom, meu malquerer. Há de ser logo!

Dos nomes que quero ter.

Hoje hei de chamar-me Laura, pois gosto do som que soa, gosto de sua rima sonora com áurea. Amanhã irei chamar-me Marília, mas o que é Marília? Uma mistura de Maria com Cecília? Oh, gosto de Cecília também, dar-me-ei esse nome qualquer dia!… Assim como um dia serei a verdade de Vera, o brilho de Elena, a sabedoria de Sofia, até a pureza de Inês. Serei todas elas podendo ser apenas uma, serei o que se esconde por trás do significado da junção de suas letras. E que meu ser chamado Ângela traga-me mensagens, e que Aurora amanheça minha alma, enquanto Ester torna-me a estrela mais jocosa do céu. Ana me dará seu ar cheio de graça, Clara me presenteará com o sorriso mais brilhante de todos, e juntas, Amélia e eu sofreremos. Lembro-me bem que certa vez fui à força de Carla, gostei tanto que fui ela mais algumas vezes. Da bondade de Ágata abusei apenas um dia, mas deixou-me a lembrança do que é sorrir fazendo sorrir. Mesmo não reconhecendo, todos os dias sou um pouco de Alice, aquela que protege e defende. De Samanta, ah, Samanta! Definitivamente é o que sou, pois algo nela parece viver forte em mim, mas ela não é forte; ela dá força com sua disponibilidade em escutar. Marina é uma raridade, Marina vem do mar e vai com o mar… Venho e vou com ela! Emília luta, nós duas vencemos. Eleonora é a iluminada com muita luz, e sua luminosidade ilumina-me também. De Amanda só quero o ser amada, de Anabela a sua justiça. Andressa, oh Andressa, dar-me a tua coragem, menina? Para ti Lilian, digo-te que teu lirismo eu invejo, e sou tu em dias que preciso desabafar.

Oh doce Monalisa, não se assustes se eu roubar a tua alegria nesses dias em que  me vejo submersa as tristezas da vida! E tu Isaura, vai deixar-me ser valiosa com o teu ouro? Se não, diga-me logo, pois buscarei na boa Hosana a minha salvação. Se esta recusares como tu, hei de ser Felícia para renascer das cinzas como uma linda Fênix. Mas se de todos os nomes que eu poder ser e de tudo delas que eu poder ter não poderá se eternizar, deixe-me ser o que sou. Com meus estragos, meus trapos, meus farrapos. Pobre da vida que já deve está cansada de tanto tentar fazer-me aceitar o que vejo na luz que reflete de um espelho, o que tenho pulsando em meu peito.

Hoje, na verdade, serei eu. E de mim serei amiga...

Querido amigo,

Descobri a algum tempo que sou um grande nefelibata. Olhe para o céu, mas olhe de verdade, e se quiser, lá me verá… Provavelmente numa nuvem cor de abóbora onde construí minha casa para na terra nunca mais pisar. Não nego que gostava de viver com os pés no chão, mas fui enxotada da realidade pelo meu próprio instinto de salvação. Se eu ficasse, esses pés que viviam sobre a terra, hoje certamente estariam em baixo dela. Tive que ir, meu bom amigo. Mas isso não impede que entre nós haja essa conversa. Veja, se está lendo isso nesse instante, é por que meu lindo passarinho azul-caramelado lhe trouxe ela no seu bico vermelho-ouro. Queria que visse como é lindo, mas certamente teus olhos só permitiram que visse um pobre pombo branco e sem graça. Ah, que pena, que pena! Queria eu poder compartilhar contigo todas as belezas que agora aprecio, aqui, vivendo nas nuvens. Há mistérios como na terra, mas te digo que estes não enlouquecem meu amigo. Estes salvam! São como braços de mãe e que te cobrem com ternura, para te curar todos os males que sofres. São assim esses mistérios, beijam a testa, dão as mãos, fazem cafuné, até. Orgulho-me de ser nefelibata, aprecio a felicidade que de mim emana e queria poder dá-la também, para que no peito guardasse e usasse nas horas mais necessárias; as vinte quatro horas que compõem o relógio. Mas tu, amigo querido, és cético, não é? Limita a tua imaginação, acredita apenas nos que estes olhos cegos [muito cegos!] conseguem ver. Queria estender-te a mão e saber que você a seguraria, mas sei que elas ficariam dormentes de tanto esperar. Queria a tua companhia na minha casinha torta sobre essa nuvem cor-de-rosa [ela muda de cor toda hora, não se importe!] para que juntos fôssemos contagiados com a esperança de que nada tem um fim. Até mesmo esta carta, mas você certamente não saberá ler o resto, pois não entende a língua que aqui eu falo. A língua dos poetas…

Aqui te deixo um abraço com braços bem apertado envolta do teu corpo… Enviei-te também minhas violetas amarelas com cheiro de pêssego, apesar de você ver apenas um lírio quase murcho. Até mais, meu amigo. Se você mudar de ideia a respeito de querer ser feliz, vou deixar meu pássaro azul-caramelado de bico vermelho-ouro por uns dias aí na terra. É só abrir os olhos que o verá, caso ele não apareça, chame-o pelo nome. Mas chame com vontade, com toda sua fé, e então ele virá.

Com infinitos beijos e aquele abraço apertado, teu grande amigo nefelibata.

Ps. O pássaro se chama Sonhos. Acredite nele e ele acreditará em ti. Chame-o alto, ele é meio surdo. É tanto gente que vive o chamando…

domingo, 20 de novembro de 2011

A ti, poesia!

A ti, poesia, eu mando minhas flores murchas pela saudade. Das lágrimas que secam em meu rosto, os dizeres mortos que jamais poderão ser escutados. Venha até a mim, ó triste poesia!… Abandone-me e acolha-me, não entenda e nem caçoe, dessa pobre alma que não sabe poetar! Experimente o azedar dos meus sinônimos, dos meus antônimos e das minhas antíteses. Cante as rapsódias que não se cantam, colha desses jardins alheios o ouro plantado, assim como os topázios e las platas. Sou uma em mil pedaços, e meus pedaços são pelos sentimentos quer soçobram, mas nos primeiros frêmitos da noite voltam para atormentar-me. Se eu fecho os olhos, na escuridão de minhas pálpebras ganham luz e cores. Se os abro, lá estão a sorrir e a gritar coisas que só posso escutar vendo-os. Fujo e elas perseguem-me, em cada esquina que entro ou em cada ruela em que me jogo… Acuda-me quem pode ou quem não pode; quem quer e quem não quer. Preciso de mãos que retirem-me, não de mãos que atirem-me, nesse abismo de ruínas e erros. Ó poesia amada e desalmada, dar-me tua misericórdia e espanta estas desgraças de mim. Deixe-me ser regada e crescer, deixe-me alimentar esta minha boca faminta enquanto ainda posso. Sinto que este sopro de vida que sou, está sendo soprado pelo tempo que o vento me traz. Tempo que leva as horas e leva junto um pouquinho do que sou deixando-me apenas os resquícios. Estou pobre, submersa as misérias da vida, afogada nos suplícios e dissabores. Assim, assim chamo pelo mundo e a morte chama por mim…

Chamemos juntas então, e que no fim a morte vença… Pois viver é suicídio!

Descobrindo-te.

Eu não sei respirar, mas deixo que tu respires por mim. Vós que carregas no peito todo o ar puro de quem aspira da vida suas maiores belezas. Vós que tens nesses olhos o brilho de quem é feito para viver sem fim. Ó como o invejo, meu amado!... Como o desejo!... E desejo percorrer cada hemisfério do teu ser, tuas íngremes elevações, as melodias alegres de suas ruas, os seus segredos que n'alma esconde. Desejo desvendar o que há nos teus pensamentos que por tantas vezes o rouba de mim, desejo saber o que habita em teu sorriso que tanto dar sem razão. Minha fé está em desvendar-te, descobrir-te desses mistérios, apesar de tanto amá-los e amar tudo o que vem de ti.

Não se mexa! Não diga nada, nem mesmo pisque estes olhos serenos!...
Estou adentrando-te. Estou avançando com cautela...
Mas tenho ânsias, tenho pressa!...

E vejo, nesse ver me surpreendo. Tu és coberto de gelo onde meus pés deslizam, é tão frio como o que me faz por dentro. Tuas ruas estão esburacadas, tuas elevações são altas demais para que alguém consiga alcançar o topo... Mas tento! Não se preocupe, meu bem. Ainda vejo beleza em ti, ainda vejo a esperança nesse teu sorriso que se esforça para sair. Ainda vejo uma alma com fome de felicidade, que não contenta-se com migalhas, que almeja um vasto banquete para saciar-se. Admiro-te e ainda tenho inveja por ti. Pois a infelicidade que te toma, essa mesma que vive em mim, não é mais forte que o teu desejo de sorrir... E queria eu que em mim também fosse assim! Eu, que procuro por uma salvação e onde encontrá-la, poderia ir e te deixar por ser como eu, mas insisto em ficar... Não nos completamos como pensei outrora, mas ainda assim poderemos ser um só.

E agora, José? E agora, Maria?

[E agora, José? Como fica a minha vida com a tua ida? Como o Sol há de aparecer se tu levaras todo meu céu? Como a felicidade suportará ser substituida pela saudade? E se ela for p’ra nunca mais aparecer, José? Serás tu que irás buscá-la ou será tu que irás rir com essa partida?]

[E agora, Maria? Como vou viver se tu me deixaras ir? Como poderei suportar olhar para esse céu se tu que és meu Sol lá não está? Como convencer a minha felicidade que ela não te importar mais? E se ela se recusar a entender-te, Maria? Será tu que me pediras para voltar ou sou eu que terei (mais uma vez) que implorar?]

sábado, 19 de novembro de 2011

Escreva-me!

Escreva-me em um pedaço de papel com rasgos e amassos. Escreva-me num muro velho e solitário. Escreva-me com uma única palavra ou com um dicionário todinho feito delas. Escreva-me nos números, nos olhares, nas ânsias ansiosas do teu peito. Escreva-me até mesmo em nada e com nada. Busco a tua compreensão e a certeza dela numa prova. Então escreva-me!… Quero ser usada pelos teus lápis e tuas canetas; quero passar pela tua mente e ser enclausurada lá, para que tu penses sobre mim e escreva-me. Levante na madrugada e escreva-me mais um pouco, acorde pela manhã cedo e escreva-me mais uma linha. Ó meu amigo amado, dar-me essas tuas palavras que me descrevem, dar-me o teu pensamento e o que ele pensa de mim.

Se eu sou fruto agridoce, descreva-me o gosto, pois eu não o sei. Se eu sou melodia que não se toca, só toca, então transcreva essas minhas notas para o papel, e assim te farei um lindo recital. Se eu sou a sombra que te segue na escassez e na abundância de luz, mostre-me essa perseguição len-ta-men-te com vogais e consoantes. E se pareço obsessiva para que tu me (des)escrevas, não reclame, não questione… Só escreva-me! Preciso de alguém que saiba usar as palavras em mim, pois durante a minha vida todas as tentativas foram vãs.

O cheiro, as perdas, a fuga.

Esse meu eu tem cheiro de abandono, que lástima! Cabe-me a confissão que sempre vivi de faltas, mas jamais acreditei que as ausências cresceriam tão pungentes. Perdi a visão na tentativa de sugar-te para mim com o olhar. A voz eu perdi também, de tanto tentar te gritar. Meus braços hoje não se movem, cansados e derrotados de ficarem estendidos na espera por ti. Que fiz, ó mi amor? Nada eu fiz e nada eu tive, só quis. Ora bolas, ora! Olha a hora que passa e me deixa para trás. Não posso correr, só fico – só! As estrelas que outrora reluziam em mim, hoje me deixam no escuro. É noite o dia inteiro, é chuva incessante ocupando o lugar do sol. Não sou o fim deixado por ti, sou o fim que me deixei ser. Ah, esse cheiro de abandono!… Perpassa pelo meu dorso, enquadra-se em meus cabelos, perfura-me o corpo e invade-me a alma, enfim! Segurem-no, segurem-no! Por favor, não o deixe ficar. Tire, tire! Mate-o antes que me mate, ou eu mesmo o faça só para acabar.

Ó mi amor, explica-me a razão de tanto dor. Cesse essas lamúrias e esses sentimentos, dar-me a paz que o espirito suplica-me a todo instante! Ando doida, doída. Ando só como a Lua que vive sozinha; na noite, nas ruas, nas pétalas das flores que murcham de saudade. Meus sonhos se vão como a névoa que desvanece sôfrega no horizonte, meus sorrisos padecem da doença que toma meus olhos em água. Sou incapaz de segurá-las, de controlá-las, de acompanha-las. Meus pés que se arrastam por essas ruas quimeras pedem-me um descanso, e os dou. Se sento, não mais levanto. Se quero prosseguir, não mais consigo.

E se tento fugir do que sou, é vão. Pois jamais haverá escapes de mim, mi amor…
… Não se eu for a pé.

O que sou.

Se eu sou peixinho fora d’água,
Quando entro em contanto com ela, me afogo!…
Se eu sou o beijo que não foi dado,
Quando me dou, não volto mais a ser o que fui!…
Se eu sou a flor que não brotou,
Quando broto, brota em mim todos os céus do mundo!…
Se eu sou a moça dos teus sonhos,
Quando sonho, tu és o moço que vagueia pelos meus!…
Se eu sou a esperança que morre tarde,
Quando espero, espero sorrindo p’ra mim!…
Se eu sou um tesouro perdido,
Quando me encontro, volto a me esconder outra vez!…
Se eu sou a lágrima que caí,
Quando caiu, não volto a aparecer nunca mais!…
Se eu sou isso tudo que eu digo,
Quando digo, estou mentindo!

As distrações de Luíza.

Luíza distrai-se facilmente. Só precisa de uma palavra, e lá se está ela, extraindo da palavra vários pensamentos que se derivam, e ás vezes até mesmo não.

Quando mamãe põe-se a reclamar… E tu menina, não vai estudar? Só fica nessa janela vendo o tempo passar! [Tempo passar… Vento passar… Como vento é bonzinho! Manso e carinhoso… toca na pele da gente bem de levinho. Faz cócegas, faz rir, faz feliz, é um bom amigo! Ah, amigos… Amigo mesmo eu só tenho um, o Zezinho, menino tímido que se esconde quando vê alguém. E ninguém o vê, ele não deixa, só deixa eu. Mas ele é legal, gosta de brincar de correr pelo jardim da vizinha e brincar de pique-esconde. Tem vezes que se esconde tão bem, mas tão bem, que nunca o encontro! Tem dias que eu penso que ele é invisível. Invisível como vento que passa, como o tempo que passa e… Oh! Tenho que estudar!].

Quando à professora pede a tabuada toda quinta-feira… Luíza, diga-me, quanto é 4x3? [4x3? Quatro vezes três? Ai, meus Deus, quatro vezes três? Quatro… Comi quatro amoras ontem à tardinha. Mamãe não gosta que eu coma, pois diz que é pra gente vender e não pra comer e ainda se lambuzar. Mas fiz isso escondidinho, só fui boba e esqueci-me de limpar a boca. Quanto ela viu, pôs-me em um belo castigo. Não gosto de castigos, o danado do Zezinho sempre aparece nessas horas! Fica gozando de mim e tentando fazer-me inveja… Mas não cola! Diz-me que os seus pais não o coloca de castigo, pois ele tem a graça de não tê-los, e ninguém pode manda-lo fazer isso e aquilo, gritar e por de castigo. Coitado! Não sabe como é bom ter uma mãe e um pai (até mesmo quando eles gritam e te colocam de castigo). Ontem mesmo fiquei de castigo quatro… Oh!… Quanto é mesmo quatro vezes três?].

Quando ela e os pais vão à missa as manhãzinhas de Domingo e as pessoas se ajoelham para fazer suas orações… [Meu bom Deus, obrigado pelo meu pão-de-cada-dia e que nunca falte a mim e a minha família, nem as outras famílias, nem aos… O Zezinho nunca come, que estranho! Nessas tardes que fico roubando amoras ele só olha e faz cara feia. Não come nada esse menino. Deve ser por isso que é tão magrelo. Se mamãe pudesse vê-lo, acho que já teria dado um boi para ele comer. Ela não gosta de crianças magricelas. Não me deixa comer as amoras, mas briga se seu disser que não estou com fome na hora da janta. Ah, que nunca falte janta a mim e a minha família, nem… Nem a Diana que é outra “osso e pele” e… Que Deus me perdoa por isso, e por… Será que é pecado ficar roubando as amoras da mamãe? Mas são da mamãe e eu nunca roubei nada de outra pessoa. Deus me livre! Deus me livre também de toda mal, amém!]

Horinha de Desespero.

Em meus olhos há sonhos azuis… E meus olhos são castanhos. Desse lado em que me vejo, vejo os desejos assombrando minha face e deixando marcas do tempo, pois só desejam e morrem de esperar. Calma, é só a minha horinha de desespero. E eu descabelo os cabelos e borro as pinturas do meu rosto que escondem a verdade. Deixo as marcas serem vistas, deixo a realidade livrar-se da prisão. Se eu sou triste, que eu seja. Mas se quero a felicidade, serei ela também. Pois sei que para ser, apenas para ser, preciso ser os dois. Cabe em mim à alegria e à tristeza, cabem em todos nós. Cabe, pois querendo ou desquerendo, nos tornamos suas casas, moradas eternas até que a eternidade acabe.

E te digo, não fujo de mim, não mais. Não nego minha melancolia, não há por que. Não importa o quanto posso correr bem e saber onde esconder-me. Pois eu sei os meus próprios passos e me sigo… Na correria me alcanço, e se não me alcanço, no esconderijo me acho. Pois estou lá, e lá me encontro. Triste ou feliz, apenas o que sou. E sem escapes de mim, peço-te que escapes de mim.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Percepções de Ana Maria.

Que engraçada é a vida, Ana Maria pensa. As pessoas, os animais, as cores, o tempo, as estações, ete-ce-te-ra e tal. Mas de todas as coisas hilárias da vida o mais engraçado era mesmo as pessoas. Essas sim a fazem rir, loucos varridos que não varrem nada [só a D. Lurdes que luta contra as folhas da calçada de casa, que ela empurra com a vassoura para longe e o vento traz outra vez para perto].

Ana Maria está sentada no banco da pracinha perto de casa, ao seu lado um Senhor de chapéu engraçado ler o jornal do dia e reclama sozinho sobre um tal de aumento da inflação [quê isso? é coisa boa ou coisa ruim?]. Ana Maria quer entender tudo tudinho, mas logo desiste por que deve ser coisa de gente grande — como disse a mãe certo dia quando ela pôs-se a perguntar como foi que irmãozinho havia nascido se ela nem viu a cegonha chegar… [Que pergunta é essa, menina? Vai já estudar que isso só é assunto de gente grande!]

Pelas praças as pessoas passavam e passeavam, umas iam para lá e outras para cá. Mulheres, crianças, homens e velhinhos. Amigos, namorados, gente casada há mais de anos, gente que nunca ia casar, gente gente gente. Apressadas ou lentas, estressadas ou contentes. Umas iam sozinhas, outras acompanhadas… Alguns seguiam em silêncio, outros faziam barulho. Ah, os sons! Outra coisa maluca e engraçada que nem a vida [e as pessoas!]. Som dos carros, som dos pássaros, som das pessoas que falam e falam sem parar… Ana Maria só observa, só escuta…

… toda essa gente…

[o capítulo da novela… ele não vale nada… eu não gostei do novo cabelo dela… você sabia que… mas eu não tinha dito nada… tudo bem?… então ela me pediu um tempo… é muito caro… eu não gosto… meu chefe… eu fui… o dólar… eu… como assim?… quanto tempo!… que idiota… aquele ator… a vida… o amor…]

Vozes e gestos,
Palavras e expressões
Cochichos e gritos
Jeitos e formas
Gente, gente, gente!

Ana Maria sorri, a vida é mesmo engraçada! As pessoas são mesmo malucas… Dizem serem independentes, os adultos principalmente, mas o que seriam e o que fariam se não fossem as outras pessoas? Ela nunca havia visto um cachorro construindo uma casa, nunca viu um macaco dirigindo um ônibus, nunca viu um cavalo vendendo pasteizinhos de queijo na lanchonete da esquina [que eram uma delícia, só para ressaltar], nunca viu animal nenhum fazendo coisas que gente faz.

Gente como a gente, que vive dizendo que gente não serve para nada.

Dos pedidos.

Anda, que hoje faz Sol!…
Depressa, que hoje faz vento!…

Vai abrir tuas asas, menininha. Vai ser feliz um tiquinho a mais. E ponha nesses lábios de risco um sorriso que lhe engorde os beiços, e destrance esses teus cabelos amarelos que é para a brisa por ele se apaixonar. Vai, vai correndo, de pés descalços, de braços esticados. De coração dizendo juramentos, que jamais deixará de bater se todos os dias tu fores assim. Passarinhe meu docinho. E voe com as folhas das árvores que vão para o leste e oeste, sem saber o que acontecerá assim que chegar. Seja macaquinhos que pulam de galho em galho, seja a Lua que aparece ainda te dia e faça todos olharem-na de olhos admirados.

Anda, que a vida hoje é amiga!…
Depressa, que o tempo se apressa!…

Vai logo menina, vai crescer a luz do dia, vai subir nas árvores e cantar uma música para aves, pois elas merecem ouvir teu canto, todo todo feliz! Não tema as alturas, não se esqueça de que há asinhas em tuas costas e elas estão doidas doidas para baterem. Vai, criança, se desloque daqui. Dessa casa miúda, dessa vida miúda, desses quereres miúdo. Seja gigante, plante feijões e espere o pé crescer. E plante na tua mocidade as melhores lembranças que da vida possa ter. Não poupe lágrimas, benzinho. Ao contrário, chore, chore sim. Pois se há algo nesse mundo que limpa tudo o que está sujo, é essa água que sai da gente.

A ideia.

Seduz-me uma ideia com pés e cabeça. E corre entorno de mim, e pensa por mim. Ideia que emana do silêncio que faço e me faz esse quarto, essa casa, essa vida. Em murmúrio a ideia diz-me no ouvido o que ela é; depois me diz alto, depois me diz sem parar, cantando para que o mundo inteiro possa ouvir. A ideia quer que eu vá até a ti, pegue tuas mãos nas minhas e os teus lábios nos meus. A ideia quer que eu diga, diga tudo o que não posso dizer, pois não sei como dizer o tanto de coisas que necessito dizer. A ideia é amiga, mas é perigosa. A ideia é pequena, mas controla-me. Que faço para dizê-la não? Por que é mais fácil dizê-la sim?

A ideia me diz tantas coisas que me perco em tantos dos seus quereres, tornando-os os meus também. Eu e a ideia queremos uma valsinha entre nós no meio da sua sala, no silêncio e no escuro. A ideia ainda pede meus cabelos soltos para que girem com os nossos movimentos e um sorriso extasiado em seus lábios que me admirem e ame-me. A ideia torna-se minha coragem, minha coragem é nada mais que meu amor. Entrego-te ele para que cuide e jamais se esqueça de que não há ideia melhor que essa ideia de amar, de falar de amor, de tê-lo e dá-lo…

… Esteja nessa ordem ou não.

As doces e lindas mentiras.

Perdi-me de mim mesma, por isso escrevo. Poderia tentar achar-me em um dicionário, mas tenho a certeza que lá não estou. Escrevo com as minhas palavras, escrevo o que meu coração sangrento pede-me com certo desespero. Quero achar-me entre tudo o que descarrego. Quero achar-me no que imagino e invento. No que não sou e nas palavras digo que sou. Eu minto, minto muito, em muitos casos. Falo da beleza do mundo, mas o que meus olhos veem é só a feiura. Falo da alegria, mas em mim o que reina é a melancolia dessa vida sem caminhos. Tenho medo do que escrevo… Tudo se torna fragmentos que não sei dizer o que é real ou utópico. Quero me achar entre esses escritos, mas são tantos, de tantos jeitos, que talvez seja impossível encontrarem-me em algum. É bagunça demais, algazarras e embaraços.

Seria bom se eu pudesse saber falar de mim, sem exagerar ou faltar. Seria honesta e finalmente cessaria essa procura que tanto me judia. Quem eu sou me assusta. Sou nada ou sou tudo? Vivo no dilema, soterrada nas dúvidas que me roubam a vitalidade e o tempo que não para para esperar-me. Por isso disfarço com as alegrias e as doçuras; de frente estou sorrindo, então viro as costas e o sorriso se desfaz. Se eu falo do amor, o amor é bonito. Sim, decerto ele é, pois não há como negar. Mas o que não falo é o que faço com o amor, o torno o que ele não deveria ser, o dou para quem eu não deveria dar. Se o amor é malvado, é malvado por que assim o deixei. Estrago as coisas com a facilidade de uma criança que quebra os brinquedos, e por isso e um pouco mais, que agora acho melhor manter-me escondida de mim mesma. Talvez assim, se ainda houver luz dentro de mim, eu não consiga apagá-la.

Só revelar-me-ei quando finalmente conseguir me controlar.
Por enquanto, só escrevo… Essas doces e lindas mentiras…

A música do vento.

Não quero ser a música do vento, a destreza de uma passagem efêmera. Quero moradia fixa, quero enterrar meus pés na terra e enraizá-los, crescer e frutar. Viver de correrias é para quem tem pressa da vida, e pressa eu não tenho. Sou de sentar e viver de lentidão, de demoras, de serenidade. Gosto quando o tempo para, e se não para, passa de passos de tartaruga. Sei ser paciente, sei ser amiga da tranquilidade. Acho que quem corre demais, chega ao fim mais rápido que quem espera. Dou tempo ao tempo, e assim, assim o tempo dar-me mais tempo para viver. Mas amigo, não conclua nada ainda, isso não quer dizer que vivo sentada, fazendo nada e sendo nada também. Pelo contrário. Eu ando, eu voo, eu corro. Mas não corro para chegar primeiro ou para alcançar o tempo. Corro para sentir o vento que passa apressado, corro para fechar os olhos e só parar quando cair. Vivo muito. Todos os dias eu vivo, sempre que posso viver. E se a tristeza faz com que eu me sinta morta, então vou viver na minha imaginação. Lá posso ser tudo e ter tudo, posso até ter pressa e nunca alcançar o fim. Lá sou as aves e suas cantorias, lá sou os sentimentos e suas fases.

Repito, não quero ser a música do vento. Quero ser a música inexistente de quem dança sem par e sem passos, na verdade nem dança, só pula e gira. Quero ser a música que toca na madrugada para fazer adormecer quem tem insônia. Quero ser a música que alegra a tristeza, a música que faz cantar, que faz repeti-la dez vezes ao dia e dez vezes a noite. Quero ser a música de uma fuga, de um beijo, de um reencontro. A música da saudade, da reflexão, da chuva que cai em um sábado frio. Quero a ser a música de todos os momentos, estações e tempo. Mas não quero ser a música do vento… O vento é o tempo, o tempo é o vento.

Vem, vem rápido, chega rápido. E quando chega, leva tudo.

Marina

Marina, menina mania, mimada, mimosa.
Marina de mil formas, de formas formosas e frases marotas.
Marina de choro dengoso, de beijo amoroso, de olhos ansiosos…
De pele macia, que a seda copia e meus dedos deslizam…

Desesperados!

Mariá.

Chamo-me José Honório. Não sei o que significa Honório, e nem por que raios minha mãe me dera esse nome. Amiúde tenho tentado enxergar o que há dentro de mim, o que cresce ou o que morre; o que renasce ou o que nada faz. Foi nessa procura de mim mesmo, que em mim a encontrei. Andava devagar… Ou a divagar? Andava. Usava coque e não deixava que lhe vissem o cumprimento dos cabelos. Por vezes e por horas, eu tentava adivinhar. Bateria na cintura, eu concluía. E eram encaracolados como os caracóis, bonitos como olhos de gato. E ela tinha olhos de gato. Eram grandes e exclamadores, cheios de expressões e dizeres que eu tentava ler, ou quiçá ouvir. Escondida, ela fumava dois ou três cigarros e disfarçava o hálito com duas ou três balas de menta. Ás vezes era de hortelã também.

Eu não sabia o seu nome, mas ela me parecia chamar-se Maria. Ou seria Mariá? Acho que Mariá, pois algo nela era intenso como a letra “a” acentuada. A provável Mariá [que não era mais Maria] era de mãos atrapalhadas, tudo lhe escapava e no chão se entregava, quebrando-se. Um diabo escapava de seus lábios e logo em seguida um perdão a Deus. Mariá era moça alta e magérrima, pouca se alimentava, o que gostava de fazer eram palavras cruzadas. Vezenquando batia em mim um desejo de ir até ela e ajudá-la em alguma palavra, pois quando já estava impaciente por não conseguir formá-la franzia as sobrancelhas e fazia bico. Mariá não sabia, e eu tampouco sabia o porquê era assim, mas quando ela sorria, o sorriso alvorecia qualquer madrugada insone do meu viver. Mariá tinha poderes, poderia ser bruxa ou feiticeira, mas algo nela dizia-me baixinho que era fada. Ela tinha asas, pareciam pernas e pés como os meus, mas eu sabia que eram asas.

Mariá fazia-me sentir. Uma coisa que… Que eu não sabia que nome dar-lhe além de “coisa”. E essa coisa talvez fosse contaminada de algo que já ouvi falarem por aí, um tal de amer… amir… Amor! Isso, Amor. Desses que nasce sem saber como discorrer razão de tal nascimento, desses que… Exatamente desses. Pois Mariá só fazia-me sentir, senti-lo… E eu nem sabia se esse era o seu nome.

O espetáculo!

Faço meu teatro de palavras, mas não quero aplausos. Essa intensa necessidade de compreensão e preenchimento que minh’alma implora-me, recusa toda a beleza do que bocas dizem ter a tristeza e qualquer admiração de quem assiste ao meu espetáculo. Meu show é barato, é sim. Pois se não há nada valioso em mim, tampouco haverá no que meus dedos lutam para formar. Se eu minto, também falo a verdade. Se eu falo a verdade, então lamente meu bem. Pois a fraqueza me empurra a ela, não vou por que quero ir. Vou, pois meus devaneios já não suportam a escravidão que lhe faço e pedem-me suas cartas de alforria. Mas não quero dar-lhes a liberdade e ser livre também. Não quero olhos abertos para ver, dei-me apenas um coração disposto a não sentir o que tanto este aqui em meu peito insiste em fazer. Meu problema não é vazies, pois tenho em mim amontoado e embaraçados, sentimentos que eu nem mesmo sei explicar de onde vieram.

[E o que são? E quem os pôs ali?].

Mas, se isso ainda for pouco para ti, experimente então uma dose das lembranças que guardo. Se queimares a tua língua, isso é problema seu, pois o meu eu já o tenho, queimo-me todos os dias. Almejo doces maças para nascer em meu limoeiro. Almejo olhos que vejam apenas o que posso suportar. As acerbardes dessa vida quero-as longe de mim, as vergonhas passadas quero no lugar um Sol de verão iluminando o âmago do meu ser. Borde em mim, alguma alma bondosa, um sorriso de quem acredita na vida. A esperança entrelaçada em minhas mãos, a felicidade presa em meu calcanhar. Quero sentir, mas sentir as cores; o rosa, o azul e o amarelo. Quero sentir, mas sentir as flores; as violetas, as gardênias, os girassóis.

Quero sentir, mas sem ti, já não posso.

Dos sofrimentos.

Se em minha íris tu vês ansiedade,
Na tua vejo piedade
E sofro!
Se teus lábios nos meus tem gosto doce,
Nos teus lábios os meus é insosso
E sofro!

Se os meus almejos entrego somente a ti,
Os teus almejos afastam-se de mim
E sofro!

Mas se meu riso for das tuas graças
E o teu riso das minhas lágrimas
Tu sofres!

Das paixões.

Apaixono-me pelo falar de coisa nenhuma no farfalhar da chuva em minha janela. Apaixono-me pelo lirismo escondido em um sorriso de quem pouco conhece a felicidade. Sou fácil, tudo me tem o efeito de encanto, tudo me tem gosto de morango, e jamais provei algum! Apaixono-me pelas musas poéticas alheias, mas não conte a poeta algum o pecado da cobiça que tenho. Minha paixão é paixãozinha, até inveja pode ser também, mas é coisa leve e branca, leve e branca como um… Como um eco de felicidade dentro do peito! Saboreio olhares perdidos de pensamentos que jamais poderiam ser lidos pelas mentes de outrem. Gosto dos mistérios que emana dos outros, dos conhecidos, dos que pouco conheço, dos que desconheço totalmente. E os segredos? Ah, tão saborosos!… Mas nem os sei… Meus segredos são tão secretos como o dos outros, tanto que a mim não são revelados também.

[Mas acalme-se! Fique quieto, quietinho!
Pois aos poucos vou descobrindo-me
E assim (res)surgindo
Do mais secreto habitar dentro de mim!…]

Ainda, confesso que apaixono-me pelo desvario de um poeta que em seus simples desvarios dizem coisas grandiosas, coisas até que jamais sóbrio algum conseguiria dizer. Não digo que tento, pois não tento, mas admiro a beleza desses corações que mesmo vazios sentem muito, até tudo. Sim, confesso outra vez: estou repleta dessas paixões que me trazem nos olhos o brilho roubado de uma estrelinha do céu. Minhas paixões não são valiosas, bem acho que não, mas se me deras uma segunda chance de troca-las por algo maior, de barriga cheia saberei recusar. Dessas paixões pequeninas, pequena que sou ainda alcanço o céu.

Até tu, Brutus?

Cravou-me uma adaga nas costas enquanto eu sorria para ti em meus pensamentos… Alimentou-me com mentiras que envenenaram quaisquer partículas de minh’alma… Como pode ser tão atroz a ponto? Que te fiz ou te dei além de amor e verdades? Queria compreender tuas razões, mas razões nem tens para dar-me. Só deixara morrer a rosa que plantei como símbolo do nosso amor. Dei a ela todos os cuidados e afagos, e tu deras teus dedos que a despetalara por inteira. Guardo o luto dentro de mim, e rememoro vezenquando a vida que o meu amor e a nossa rosa levaram. Tentei arduamente alimentá-los com a eternidade, mas tu eras dono de outros métodos e os meus planos destruiu.

Assim você se foi, foi como a ave que deseja aprender a voar para seguir o seu bando; foi como a fome que avista de longe um vasto banquete. Suas palavras davam-me amor e não amavam. Veja, só veja!… Como eu poderia adivinhar que teus lábios eram mais perigosos que aquele meu anseio desvairado em tê-los sobre os meus? E cegava-me diante da razão, e ensurdecia-me do que bradava a verdade. Eu via e ouvia o teu amor, até mesmo acreditava que o sentia emanar dos teus olhos, escapar dos teus dizeres… Mas de forma alguma ele cabia em minhas mãos e tornava-se meu. Nem aqui, nem ali, nem acolá, nem além!

Rasguei todos os meus sonetos que continham teu nome, joguei ao léu todas as rimas feitas para ti. O sol que outrora brilhava, foi se esconder de tanto vergonha por testemunhar toda essa tragédia. Pois dessa história restou-me a certeza de que sou o César traído, sou o César que foi apunhalado. E tu, tu és o meu Brutus. O que tanto amei e cuidei, o que tanto mentiu e no fim me matou.

Até tu, Brutus? Até tu, meu querido?